sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Uma nova vida para a lã alentejana

Falar de mantas de lã, que podem chegar a pesar cinco quilos, nestes que têm sido os dias mais gelados do ano, parece um assunto oportuno. Mas não foi esse o pretexto. As mantas tradicionais do Baixo Alentejo e outras peças afins, feitas em Mértola, mostraram-se recentemente em Madrid, numa feira internacional de moda, juntamente com outros produtos que, embora confecionados noutras regiões, usam como matéria-prima a lã da ovelha campaniça, raça autóctone da região. A ação é apenas uma entre as várias que estão a ser desenvolvidas no âmbito do projeto FIOS, coordenado pela Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), cuja missão é salvar a arte ancestral da tecelagem, bem como a pastorícia e a paisagem que lhe está associada. Como? Procurando novos usos para a lã. 

Texto Carla Ferreira Fotos José Serrano




Na subida da rua da Igreja, aquela que dá entrada para as calçadas íngremes de Mértola, há um grupo de crianças que se senta ao sol, para a merenda do meio da manhã. O poial do n.º 35 está inacessível, tantos são os meninos, e as mochilas e as lancheiras, nesta sexta-feira fria de visita de estudo. Dali a minutos, vão ver e ouvir como se produzem mantas em lã, o produto nobre da tecelagem tradicional, e vão pasmar-se ao aprender que o processo, ali descrito, em registo de museu vivo, não mudou nada ao longo dos últimos 300 anos.
As guardiãs das mantas tradicionais do Baixo Alentejo, cujos motivos decorativos, acredita-se, vão beber à estética ornamental das antigas tradições berberes, estão a postos desde cedo, cada uma em seu tear, estruturas de madeira intrincadas que as fazem parecer pequeninas. Mas os gestos de entrelaçar o fio e “bater” não estão ensaiados “para inglês ver”. São efetivamente parte de um dia a dia de trabalho na Cooperativa Oficina de Tecelagem de Mértola, nascida nos anos 80, e a funcionar de porta aberta ao público desde há 15 anos, como Núcleo de Tecelagem do Museu de Mértola.
“Agora vou desmanchar a meada para poder fazer as canelas”, descreve Maria Helena Rosa, enquanto se desembaraça do tear e faz rodar a dobadoira. Não perde tempo. Enquanto fala, as mãos vão trabalhando automaticamente, sinal de que o gesto está já há muito entranhado. Não descende de tecedeiras. O tear surgiu-lhe acidentalmente na vida, na esquina dos 30 anos, como oportunidade de trabalho, numa fase em que “havia muita falta de emprego”. “Vi, no ‘Diário do Alentejo’, um anúncio de que ia haver uma formação de tecelagem, inscrevi-me, e quando acabei a formação fiquei a trabalhar na cooperativa”, lembra. Entretanto, passaram 27 anos, a experiência foi-se tornando saber e o saber fez-se gosto. Porque é isso, acredita, que determina quem fica e quem desiste. “Estes trabalhos artesanais são muito complicados e morosos e, além disso, não são muito compensados monetariamente. Se não gostarmos, não temos paciência”, reconhece, recordando que ali chegaram a trabalhar 16 mulheres, sendo que só as duas mestras é que saíram por reforma. “As outras saíram porque encontraram outras oportunidades de emprego melhor remuneradas”.      
Só para se ter uma ideia, uma manta de lã com o tamanho padrão (1, 90 por 2, 20 metros) pode chegar aos dois meses de trabalho. No tear, para uma tecedeira experimentada, são apenas duas semanas, mas para trás há todo um processo de que se encarrega a cooperativa desde a compra da lã, em bruto, acabada de tosquiar, por alturas de abril/maio, e que inclui a cardação e a fiação, feita por duas cooperantes, em casa.  
O resultado, reconhece Maria Helena, é um produto que “não é acessível” (545 euros + IVA) e que apenas enche o olho a quem tem “algum poder de compra e algum conhecimento sobre o nosso trabalho”, ou seja, alguém que dê o devido valor a uma peça que se faz, ainda hoje, segundo o mesmo processo e as mesmas técnicas usadas há três séculos. O que não é fácil. “A última manta de lã que a cooperativa vendeu, já este ano, foi para uma senhora investigadora que está a fazer um estudo nesta área na Universidade do Porto”, informa. Mas, por amor à arte, Maria Helena mantém o otimismo: “Eu estou sempre incentivando os jovens. É uma profissão que tem sido mal paga até agora, mas pode haver outras oportunidades no futuro”.
Na verdade, há quem esteja a tratar disso já há algum tempo. Na cooperativa/museu, a bagagem já está arrumada para seguir para Madrid no fim de semana. Além da imagem de marca, as tradicionais mantas, também seguirão na mala para exposição na Momad – Feira Internacional de Têxteis, Calçado e Acessórios, ao longo de três dias (entre 8 e 10), echarpes, cachecóis e bolsas, peças mais pequenas e vendáveis. A presença em feiras internacionais é apenas uma das ações do projeto FIOS – Fibras Naturais, Inovação e Sustentabilidade, iniciado em janeiro de 2014, sob a coordenação da Associação de Defesa do Património de Mértola (ADPM), e neste expositor vão cruzar-se peças contemporâneas e tradicionais, confecionadas por vários empresários têxteis. Em comum, quer produzam eles em Mértola, Sintra, Manteigas ou Viana do Alentejo, têm a matéria-prima. “Todos utilizam a lã de ovelha campaniça, a lã do nosso território”, a “fibra âncora do projeto”, que se debruça também sobre o algodão, o linho e a seda, explica Cristina Caro, técnica da ADPM.
Depois de um trabalho de investigação, inventariação e promoção em torno da fileira da lã, através nomeadamente do museu vivo da Cooperativa Oficina de Tecelagem de Mértola, ou de publicações como o recente livro Moirais de Mértola – Paisagens Humanas do Baixo Guadiana, sobre a atividade ancestral da pastorícia, a ADPM quer ir mais longe. Para garantir, não só a sobrevivência da tecelagem, como também de todas as atividades a montante. “Os artesãos estão envelhecidos e nós também não lhes podemos pedir muito mais; só temos é que lhes agradecer. Estar a falar com estes artesãos em termos de design, novos produtos e internacionalização… É uma responsabilidade que não lhes devemos dar”, comenta Cristina Caro.
Por outro lado, sublinha a responsável, há a questão da “promoção das raças autóctones e a conservação da natureza”, nomeadamente da ovelha campaniça, produtora de uma lã de “tipo cruzado” e com “considerável potencial para a indústria têxtil”, cujo efetivo, neste momento, é “reduzido em relação ao que seria desejável”. Sobretudo tendo em conta o potencial internacional desta fibra, numa fase em que cresce o interesse dos consumidores, e logo da indústria, pelos materiais amigos do ambiente, os chamados “eco-friendly”.
Informada pelos dados do Recenseamento Agrícola de 2009, Cristina Caro dá conta da existência de 2 220 000 ovinos em Portugal, sendo que “49 por cento estão na região do Alentejo, com uma média de animais por rebanho de cerca de 134, consideravelmente superior às restantes zonas do País”. A lã é, pois, um bem “transacionável” que já existe no território e que não tem tido a valorização devida. E são os próprios agricultores a reconhecê-lo e a lamentá-lo. O projeto FIOS está, assim, no terreno porque “os nossos produtores de ovinos precisam da valorização da lã e a arte milenar da tecelagem precisa de ser continuada”.
O projeto, desenvolvido em parceria com várias entidades públicas e com cofinanciamento comunitário, terminará no próximo mês de abril, mas deixará atrás de si várias ações determinantes, que terão depois continuidade e aprofundamento no Centro de Competências da Lã, cuja constituição foi recentemente aprovada pela Secretaria de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar (ver caixa).
Entre elas, estão o estudo e caracterização de cada uma das fileiras, e criação dos respetivos materiais promocionais, bem como ações de benchmarking junto de vários projetos europeus, que serviram de “inspiração” mas que funcionam sobretudo como “motivação”, realça Cristina Caro. A técnica lembra, por exemplo, a escola de pastores que visitou na região de Catalunha, Espanha, integrada no projeto Grípia, e que “resultou no aumento exponencial de uma raça autóctone, tal como nós desejaríamos que acontecesse aqui, e que começou exatamente pela valorização da lã”.
Quanto às feiras internacionais, a Momad é apenas a primeira de quatro certames em que o projeto FIOS vai estar presente este ano, visando vários nichos de mercado. Nesta, em concreto, “interessa-nos o contacto com os criadores, nomeadamente designers e estilistas, que possam vir a incorporar nas suas criações estas fibras naturais do Alentejo”, adianta Cristina Caro. Mas este trabalho já começou, entretanto, a nível nacional, com uma parceria estabelecida com o designer de moda Filipe Faísca, que recentemente passou um dia em Mértola para conhecer e receber inspiração das artesãs da Cooperativa Oficina de Tecelagem e dos seus padrões ancestrais. O criador voltará em março com um “workshop alargado” sobre novas soluções para as fibras naturais do Alentejo, esperando-se que numa das suas próximas coleções já possam ser exibidos “alguns acessórios a incorporar a nossa lã”, acredita a técnica responsável.
Entretanto, fez-se silêncio no museu. A visita de estudo chegou ao fim e Maria de Fátima Mestre, a nova tecedeira da cooperativa, desde abril de 2014, pode agora dedicar-se com toda a atenção à manta de retalhos em algodão que tem em mãos. Para breve estará a sua estreia nas tradicionais mantas de lã, o ex-líbris da casa, tarefa para a qual tem vindo, pacientemente, a preparar-se. Tem 60 anos e é a primeira vez que está na tecelagem, que abraçou por “gosto pelos trabalhos manuais” e na sequência de uma ação de formação. Sente-se grata pela “oportunidade” de ter ficado na equipa, ao lado da veterana Maria Helena Rosa, e não hesita em recomendar o ofício de tecedeira aos mais novos. “É um trabalho muito bonito”, elogia.
E é também com afeto que Helena Costa, já reformada, se refere à cooperativa a que se dedicou ao longo de 27 anos, como tecedeira, e que visita regularmente, como se voltasse a casa para ver a família. Foi o caso nesta manhã. “Levo tudo desta experiência, tudo para mim foi muito bonito, tanto que já estou reformada mas continuo a vir ajudar quando posso”, confessa. E tece os seus votos para o futuro, ciente dos constrangimentos da arte: “Gostava que tivesse continuidade e que fosse como tem sido, que a tecelagem não fosse muito transformada. E que houvesse pessoas novas que gostassem da profissão e que tivessem interesse por aquilo que nós temos feito todos estes anos”.    


Centro de Competências da Lã a trabalhar desde Mértola

O secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar aprovou recentemente a constituição do Centro de Competências da Lã, organismo com abrangência nacional que está a ser coordenado pela ADPM e que “ficará naturalmente sediado aqui em Mértola”, informa a técnica Cristina Caro. Um organismo que tem como missão “produzir conhecimento nesta fileira, mas numa ligação estreita entre os agentes económicos e o sistema científico e tecnológico nacional, na ótica da valorização deste produto”. E que encerra um conjunto de ações, entre as quais “o melhoramento animal, através do apuramento de rebanhos para uma produção de lã homogénea, e a valorização em termos da transformação nas mais diversas aplicações, até chegarmos ao mercado, de uma forma muito organizada, muito competitiva, em cruzamento  depois com outros setores, como o turismo”. Intrínseco ao trabalho de valorização das fibras naturais, como a lã, está também o desenvolvimento da tinturaria natural, com base nas plantas tintureiras autóctones, área que já tem também o seu “grupo operacional” no seio do Centro de Competências da Lã. “Queremos posicionar a lã e os corantes naturais num outro panorama, seguindo um processo totalmente ecológico, para que o produto final tenha outra valorização, fixe pessoas e traga rendimento para o nosso território”, conclui a responsável.   CF 

in Diário do Alentejo de 13/02/2015 - "http://da.ambaal.pt/noticias/?id=7231"

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Folheto... para recordar

Em jeito de "recordatório", junto publicamos um folheto produzido e editado em 2006...




terça-feira, 20 de janeiro de 2015

projeto FIOS - ADPM

O projeto FIOS, Fibras Naturais, Inovação e Sustentabilidade, visa aliar as potencialidades que os recursos locais da região podem oferecer, à investigação e ao saber, sendo estes fatores decisivos para o desenvolvimento da Fileira das Fibras Naturais.


Pretendem-se constituir fortes laços de cooperação entre atores públicos e privados e concretizar uma iniciativa inovadora que se espera com elevado efeito demonstrativo ao nível regional, nacional e internacional, através de ações específicas de promoção, capacitação, informação e apoio ao desenvolvimento.
O Projeto FIOS resulta de um trabalho preliminar de parceria que tem vindo a ser desenvolvido ao longo dos últimos anos, mas que encontra agora um contexto de maturidade institucional que permitirá a sua consolidação, com a criação de um grupo de trabalho coeso, comprometido com a execução de uma visão comum. Neste grupo de trabalho estão envolvidos parceiros estratégicos públicos e privados (INIAV.IP, DRAPAlentejo , CMSerpa, CM Moura, NERBE, INOVISA, ADRAL).
Para além destes, também se pretende potenciar as parcerias com o sector privado, ao nível do mercado, no sentido de identificar e criar pré-acordos com futuros parceiros económicos nacionais e internacionais.
Em resumo, este projeto fundamenta-se na necessidade de criar respostas inovadoras e demonstrativas no território e na experiência e capacidade da entidade promotora em desenvolver este tipo de processos na região, sendo objetivo final não só a demonstrabilidade como também e durabilidade dos resultados obtidos no sentido de alavancamento sustentável de uma fileira de elevado potencial para a região.
Objetivo Geral:
Implementar uma estratégia ao nível de uma fileira (fibras naturais) com elevado potencial de internacionalização, capaz de demonstrar respostas inovadoras ao nível de toda a cadeia de valor, contribuindo assim para a promoção do crescimento territorial inteligente, sustentável e inclusivo.
ObjetivoS Específicos:
» Criar uma parceria dinâmica em torno de uma fileira inovadora, para a prossecução de um objetivo comum de revitalização económica da área de intervenção;
» Estimular atitudes e competências empreendedoras em torno da fileira das fibras naturais;
» Valorizar as fibras naturais já produzidas na região através do investimento na inovação tecnológica;
» Criar oportunidades para a conversão de ideias inovadoras em produtos competitivos e exportáveis;
» Promover a internacionalização da fileira das fibras naturais.
Público-Alvo:
O projeto tem como público-alvo, empresários, produtores agro-pecuários, agentes da fileira das fibras naturais, mas também a população em geral, enquanto possíveis novos empreendedores. Também constitui público-alvo deste projeto, os agentes de desenvolvimento económico do território, enquanto peças fundamentais para assegurar a durabilidade dos resultados.
Duração:
16 meses, com início a Janeiro de 2014 e término em Abril de 2015.
Mais informações:
https://www.facebook.com/fios.adpm?fref=nf

Mitos e lendas - O boieiro e a tecedeira... lenda chinesa

Segundo uma lenda, o Imperador Celestial tinha sete formosas e inteligentes filhas, das quais, a mais jovem era a mais bonita, a mais bondosa e a mais aplicada e cujo principal talento era ser uma eximia tecedeira. Chamavam-na, portanto, de "jovem tecedeira".
Dia após dia, ela encontrava-se permanentemente debruçada sobre o seu tear compondo brocados celestes de multicoloridos cambiantes. Graças ao seu constante zelo, diariamente, quer fosse madrugada ou crepúsculo, no céu podia-se ver brilhar os raios policromáticos dos seus brocados celestes. No verão e no outono, a jovem tecedeira compunha também no azul do céu, nuvens de diversas e magnificas configurações mágicas. Dia e noite ela não parava de tecer os mais diversos e floridos brocados celestiais, de acordo com os aspectos das diferentes estações e pode-se dizer, que se não fosse a persistência da dedicada tecedeira, o firmamento seria uma grande monotonia.


No entanto, devido a nunca sair da sua residência celestial a jovem tecedeira sentia-se invadida por uma estranha solidão. Certa vez, ao relancear o mundo dos seres humanos, ela sentiu-se atraída pela beleza da Terra e pela vida feliz que os homens levavam cultivando entre montanhas verdes e aguas azuis. Assim, um dia fatigada pelos seus trabalhos celestes, a tecedeira convidou as suas outras seis irmãs para a acompanharem a descer a Terra, onde se poderiam banhar na correnteza de um rio de límpidas águas.
Ora, perto do rio escolhido pelas jovens, morava um rapaz que vivia com seu irmão mais velho e a sua cunhada. Quando ele era ainda um imberbe os seus pais tinham adoecido e morrido, vindo ele, desde criança a, diligentemente, levar de sol a sol o seu boi a pastar nas encostas das montanhas sobranceiras ao rio. Todos os habitantes da sua aldeia apelidaram-no por isso de "boieiro". Aos 20 anos de idade ainda não se tinha casado, sendo o seu boi, o seu único companheiro, tanto das suas árduas jornadas como nos momentos de solidão e fadiga. O jovem e o boi eram inseparáveis e quando o rapaz estava deprimido, sussurrava as suas magoas aos ouvidos do boi, somente este podia, verdadeiramente, compreender os seus sentimentos, assim também só o boieiro era capaz de perceber o significado do mugir do boi. Em realidade, eles já eram companheiros íntimos de tão longa data, que não podiam viver um sem o outro.
Um dia, aconteceu que depois de lavrar uma porção da terra, o rapaz conduziu o boi a borda do rio para lhe matar a sede. O tempo estava soalheiro e as claras aguas do rio reflectiam as nuvens de mil cambiantes. Chegado às margens do rio, o boieiro deparou-se com umas graciosas jovens mergulhadas nas aguas, divertindo-se alegremente e chapinhando entre cristalinas gargalhadas. Todas elas eram muito formosas, mas o rapaz achou a mais jovem, a mais encantadora dentre todas, com o rosto de delicadas proporções, o seu permanente sorriso doce e cordial, os seus olhos brilhantes, claros e bondosos, e os seus cabelos sedosos e bem adornados com uma flor de lótus. O boieiro ficou imediatamente seduzido peta beleza da tecedeira e quedou-se absorto em românticos pensamentos. O boi percebendo o segredo que palpitava o coração do seu dono, disse-lhe:
- Ó rapaz! Vai depressa e recolhe a roupa dela que esta ao pé daquele salgueiro. Não te preocupes que ela virá ser a tua esposa.
O boieiro avançou alguns passos mas, envergonhado, parou e voltou-se com um ar hesitante.
- Que tonto! Vai lá; depressa; não hesites! Vocês serão um casal ideal!
Então, sem mais demora, o rapaz correu para o local onde a tecedeira deixara as suas vestes e, apanhando-as apressadamente, regressou imediatamente para o lado do boi. Mais tarde, ao perceberem que alguém tinha roubado as vestes da irmã mais jovem, as outras seis jovens vestiram o mais depressa que puderam as suas roupas e levantaram rapidamente voo para o Céu, abandonando ali a tecedeira. Esta, então, mergulhada na agua, não sabendo o que fazer e muito preocupada por ter sido desertada pelas suas irmãs pôs-se a chorar.
- Por favor, devolvam-me a minha roupa! - suplicou a tecedeira.
- Claro que vou devolver mas... queria pedir-lhe a sua mão... - respondeu-lhe o boieiro ao mesmo tempo em que saia a descoberto e olhava-a apaixonadamente.
Embora contristada pela acção desajeitada do rapaz, a tecedeira ficou extremamente comovida pela sinceridade das suas palavras e pelos seus ternos olhares. Ela era de fato uma fada mas, de há muito já tinha vindo a contrariar as restrições rigorosas elaboradas pelo Imperador Celestial que a coagiam a levar uma vida solitária e enfadonha no Céu, suspirando por poder partilhar da feliz existência das jovens da Terra. Assim, ao ouvir a proposta de casamento que lhe era feita, a jovem humildemente decidiu aceita-la acenando positivamente com a cabeça.
Desde então, o boieiro e a tecedeira tornaram-se um casal inseparável levando uma vida extremamente feliz e, enquanto ele lavrava os terrenos, ela tecia maravilhosos bordados. A tecedeira aproveitava também todas as possíveis ocasiões para ensinar a técnica de tecelagem celestial às suas mortais companheiras da aldeia e a muitas outras povoações vizinhas, vindo todas elas a tecer magníficos panos e brocados - progressivamente a técnica da tecelagem veio a ser divulgada por todo o mundo.
O tempo passou-se célere e alguns anos depois, o boieiro e a tecedeira tinham um filho e uma filha. Entretanto, o Imperador Celestial veio a saber que sem o seu consentimento a tecedeira tinha descido do Céu à Terra, ai se tendo estabelecido. Colérico, enviou-lhe vários mensageiros - coagindo-a a regressar ao Céu e acusando-a de ter violado as regras celestes. Diante da autoridade suprema do Imperador Celestial, a tecedeira não teve outro remédio senão aceitar uma separação com o marido e os filhos e, com o coração despedaçado, voltou para o Céu. No momento da sua partida, entre os gritos e choros dos filhos o boieiro  sem hesitar colocou ambas as crianças em duas cestas carregado-as numa pértica de bambu aos ombros e começou a correr em ddirecção ao Céu, em perseguição da tecedeira, e estava prestes a alcança-la, não fosse a mãe da tecedeira e mulher do Imperador Celestial ter intervindo, impedindo um reencontro entre a filha, o genro e os netos. Ao interpor a sua mão entre o jovem casal, com um gesto brusco, a mulher do Imperador Celestial criou um grande rio celeste (Via Láctea) de águas profundas e impetuosas ondas obrigando assim a tecedeira - em uma margem do caudalo - e o boieiro e os filhos - na outra - a levarem um existência para separados.
Constrangido por tal separação, o boieiro não mais se quis afastar da margem do rio celeste e a tecedeira desinteressou-se totalmente em continuar a tecer o brocado celeste. Perante tal dedicação mútua, o Imperador Celestial viu-se no dever de lhes dar suas faltas e permitindo-lhes um breve encontro anual. Reza a tradição que, desde então, no dia 7 de Julho, do calendário lunar de cada ano, todas as pegas misericordiosas constroem uma ponto provisória sobre o rio celeste fazendo com que o boieiro mais os seus filhos se encontrem temporariamente com a tecedeira. Por isso, segundo diz uma lenda, na madrugada deste dia cai sempre uma chuva miúda que são as lágrimas de despedida da tecedeira ao se apartar dos seus familiares, apertando a mão do marido e abraçando os filhos.
A ideia da tristeza da sua separação, antigamente comovia o povo e atraia uma simpatia profunda e, na noite de 7 de Julho do calendário lunar de cada ano, muitas pessoas costumam ficar sem dormir para melhor observarem as duas grandes estrelas brilhantes nos dois lados do rio celeste - o boieiro e a tecedeira - e esperando o encontro deste casal. De ambos os lados da estrela do boieiro ainda outras duas pequenas estrelas também se vêem brilhar no firmamento que, segundo se diz, são o seu filho e a sua filha. Estas duas pequenas estrelas, porque são extremamente brilhantes e tremulas, são consideradas como se fossem as duas ingénuas crianças piscando os seus olhos chorosos e esperando ansiosamente o feliz encontro com a sua mãe.
Em comemoração deste dia, os habitantes de certas regiões da China ainda continuam com um costume de oferecer, nos seus pátios, frutas e flores a tecedeira celeste testemunhando-lhe assim, reconhecimento pelo seu temporário regresso do Céu a Terra com o intuito de ensinar e propagar a técnica de tecelagem aos seres humanos e, simultaneamente, manifestando-lhe um sincero desejo de que nunca se esqueça da Terra, continuando a dotar as jovens de todos os tempos com um par de mãos hábeis para o desempenho de tal arte. A este costume chama-se o "Pedido ao Céu das Habilidades".
Além destes costumes, havia também muitas moças traquinas que, escondendo-se sob as parreiras, esperavam ansiosa e silenciosamente piscando os seus olhos, o encontro deste casal sempre separado, pois, segundo remotas lendas, no silencio da alta noite do dia 7 de julho, podiam-se ouvir os murmúrios amorosos do casal no seu único encontro anual.

in:http://www.mitologia.templodeapolo.net/mitos_ver.asp?Cod_mito=150&value=O%20boieiro%20e%20a%20tecedeira&mit =Mitologia%20Chinesa&prot=Yu%20Huang%20Shang%20Di&lnd=

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Mitos e Lendas - O tecelão das nuvens

Há muito tempo atrás, na terra do sol nascente, Sei, um jovem agricultor estava preparando suas terras para o plantio.
Sozinho no mundo e muito triste, pois a mãe, que era tecelã, havia falecido recentemente e não havia ninguém para ajudá-lo nessa tarefa.
Eis que estava ele semeando e, de repente, viu uma cobra rastejando no chão.
Sei percebeu que a cobra deslizou firmemente em direcção a uma moita de crisântemos, onde havia uma aranha suspensa por um fio de seda da teia. A aranha fez Sei lembrar da mãe - pequena e indefesa - e imediatamente levou a cobra para bem longe com seu ancinho.
A aranha, surpresa com a bondade de Sei, olhou para ele. Sei nunca percebeu, pois além da aranha ser pequena, ele havia retornado ao trabalho.
Passado alguns dias, uma jovem bateu à sua porta. ela se curvou e perguntou se ele precisaria de alguém para tecer.


Sei ficou surpreso, pois ele realmente precisava, mas não havia comentado com ninguém desde a morte de sua mãe e perguntou à jovem:
- Como você sabe que preciso de alguém?
Timidamente, a jovem respondeu:
- Eu sei. Ficarei feliz se puder ajudar.
Muito feliz e grato, Sei levou a jovem ao quarto de tecelagem de sua mãe. Enquanto a jovem trabalhava tecendo, Sei continuou seu trabalho no campo.
À noite, Sei voltou pra casa, bateu na porta do quarto de tecelagem e, já pensando que ninguém poderia ser comparado à sua mãe, perguntou:
- Terminou alguma obra?
A jovem abriu a porta e, para sua surpresa, segurava em cada braço, uma dúzia de belas peças de tecido, suficiente para um quimono.
- Impossível, como pode fazer tantos? perguntou Sei.
A jovem apenas respondeu:
- Prometa que não vai mais fazer essa pergunta, nem entrar no quarto enquanto eu estiver trabalhando.
- Eu prometo - respondeu Sei.
Dia após dia, Sei descobria que a jovem havia tecido peças cada vez mais bonitas e delicadas.
Até que um dia, Sei implorou à jovem:
- Por favor, diga como você consegue fazer tantas e tão belas peças.
Ela apenas respondeu:
- Lembre-se de sua promessa.
Após algumas semanas, a curiosidade o venceu. Em uma tarde, em direção à sua casa, Sei viu a janela do quarto de tecelagem aberta e pensou que não estaria quebrando a promessa, caso espiasse.
Silenciosamente e na ponta dos pés, olhou pela janela.
Sei quase desmaiou.


Diante do tear não havia nenhuma jovem, mas uma enorme aranha com oito pernas. Sei não acreditava, olhou de novo.
Lembrou-se da pequena aranha que tinha ajudado e entendeu que esta era a sua recompensa.
Sei não sabia como expressar sua gratidão, ao mesmo tempo não queria que soubesse que tinha quebrado a promessa.
Sei percebeu ali, que a aranha precisava de mais algodão.
No dia seguinte, antes do amanhecer, Sei partiu para uma aldeia distante em busca de algodão.
Comprou e colocou o pacote em suas costas.
Cansado do peso e, depois de muito tempo, quando chegou ao topo, parou e sentou-se em uma pedra para descansar. Sei cochilou e não percebeu a mesma cobra que ele havia expulsado algumas semanas atrás.
A cobra o viu e não perdeu a chance. Entrou no pacote de algodão que Sei trazia.
Chegando em casa, Sei entregou o pacote à jovem. Ela se curvou agradecendo, sorriu e voltou para o quarto de tecelagem.
No quarto, a jovem se transformou na aranha. A aranha começou a consumir o algodão, engolindo o mais rápido possível para que pudesse girar em fio de prata.
Quando chegou ao final do pacote, inesperadamente, a cobra apareceu abrindo a boca.
Aterrorizada, a aranha saltou pela janela. Mas a cobra a alcançou.
Quando estava prestes a engoli-la, um raio de sol que atingia o punhado de algodão que saía pela boca da aranha, levantou-a e puxou para o céu.

Para mostrar sua gratidão, a aranha usou todo o algodão que tinha engolido, não mais para tecer pano, mas para tecer flocos de nuvens no céu.

Por isso, em japonês, a palavra "kumo" significa nuvem e aranha.

in: http://sempremeiotermo.blogspot.com.br/2014/02/03-o-tecelao-de-nuvens.html

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Mitos e Lendas - as parcas

O espírito greco-romano procurava explicar os fatos que se desenrolavam em seu mundo, lançando mão de uma fértil imaginação. Tudo aquilo que não podia entender julgava ser obra divina e criou uma religião fantasista, tendo chegado a dramatizar uma numerosa família de deuses.

Os gregos e romanos povoaram o mundo com uma variedade de divindades correspondentes a todos os espectáculos belos e terríveis do mundo e a todos os poderes e processos da natureza. Em sua imaginação prodigiosa não existia estrela que brilhasse no céu, nuvem que obscurecesse a luz solar ou vento que ondulasse a folhagem que não tivesse um deus a presidir-lhes a acção.

As Parcas

Um fio de ouro (John Strudwick - 1885)

Na mitologia romana, para determinar o curso da vida humana havia três deusas, as Parcas que se chamavam Nona, Décima e Morta. Na mitologia grega elas eram as Moiras e tinham nomes de Cloto que significa fiar, Láquesis que é sortear e Átropos, não voltar. Elas decidiam sobre a vida e morte e nenhum outro deus, nem mesmo Júpiter (Zeus), podia contestar suas decisões. Para os romanos, as três irmãs determinavam o destino dos mortais, mas para os gregos elas regiam tanto a vida dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram responsáveis por fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Eram também chamadas de Fates, daí o termo fatalidade.
Nona tecia o fio da vida até a nona lua que é a duração da gravidez humana. Nona tece o fio da vida tecendo os dias no útero materno.
Décima cuidava da extensão e caminho da vida. Representa o nascimento efectivo, o corte do cordão umbilical, o início da vida terrena, o individuo definido, a décima lua. Puxa e enrola o fio tecido, calculando seu comprimento, enquanto gira o fuso e determina o nosso destino. Ela sorteia o nome dos que vão morrer e é a responsável pelo quinhão de atribuições que se ganha em vida.
Morta cortava o fio. É a outra extremidade, o fim da vida terrena, que pode ocorrer a qualquer momento. Ela determinava o momento da nossa partida.
Durante o trabalho, as parcas fazem uso da Roda da Fortuna, que é o tear utilizado para se tecer os fios. Ao enrolar os fios da existência dos seres vivos neste instrumento, cada pessoa se encontrará na posição mais almejada, o alto da roda, ou em baixo, na parte menos desejada, simbolizando os momentos de boa ou má sorte de todos.

As Parcas, (Ai Don - 2008)

in: http://ninitelles.blogspot.pt/2012/02/mitos-e-lendas-as-parcas.html

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

um pouco de história...

No início da década de 80, foi efectuado um estudo sobre a Tecelagem tradicional no concelho de Mértola. Este trabalho foi editado com o título "Mantas Tradicionais do Baixo Alentejo", uma edição do Campo Arqueológico de Mértola datada de 1984.

O resultado deste trabalho demonstrou a importância desta actividade já secular nesta região, gestos ancestrais, transmitidos de geração em geração, que fazem reviver antigos saberes. Apesar disso, era notória a decadência que a arte de tecer apresentava, aquando da elaboração do estudo, estando moribunda e enfrentando a extinção.

Assim, detectados os problemas e tendo em conta a importância cultural desta actividade, foram implementadas medidas para a sua recuperação. Surgem, então, em 1984 e 85 os dois primeiros cursos de tecelagem, promovidos pela ADPM, tendo sido criada a Escola Oficina de Tecelagem de Mértola.

Após o sucesso obtido com estas acções de formação, em 1986, a Escola Oficina de Mértola transforma-se em Cooperativa Oficina de Tecelagem de Mértola (COT Mértola), uma entidade sem fins lucrativos, procurando acima de tudo lutar para que a tecelagem tradicional não se extinguisse no concelho de Mértola.

Desde a sua criação, a COT Mértola, baseia a sua estratégia de intervenção na rede informal de artesãos que estão, de uma forma ou de outra, interligados com as tarefas de tecelagem, ou sejam: os cardadores, as fiadeiras e as tecedeiras, bem como os pastores e os tosquiadores de modo a garantir a qualidade das matérias-primas e a manutenção da ovelha preta que continua em risco de desaparecer na nossa região.

A sua sede foi deslocalizada para a sede de concelho, por razões óbvias, que se prendem, sobretudo, com o número de visitantes que aí ocorrem anualmente, ao contrário das áreas de maior proveniência dos cooperantes (mais de 80% habitam nas freguesias de S. Miguel do Pinheiro e S. Pedro de Sólis). Esta deslocalização, permitiu ainda que à COT Mértola pudesse apoiar ainda as restantes actividades tradicionais, ao criar na sua sede um espaço de promoção dessas mesmas actividades. Este espaço, alberga vários tipos de artesanato, como cadeiras em buínho, cestos, produtos apícolas, entre outros e permite aos artesãos expor e comercializar os seus produtos, tornando-se assim num espaço complementar de vendas para estes mesmos artesãos.

A localização da COT Mértola, na vila de Mértola, prende-se, assim, com o facto desta se constituir como sede de concelho e assim um local estratégico de afluência turística, mas também pelo facto da concentração das cooperantes neste local, potenciar economias de escala e aglomeração, visto ser aqui que se concentra a maior diversidade de serviços e um quadro relacional institucional mais amplo, à escala do concelho.

Esta estrutura passou pela implementação de uma rede de artesãos (incluindo cardadores e fiadeiras) por todo o concelho, no qual os materiais utilizados no processo de produção da Cooperativa são produzidos neste circuito interno, ocorrendo a tecelagem na Oficina situada em Mértola que inclui o circuito turístico desta Vila Museu.

Os seus principais produtos, continuam a possuir como matérias-primas primordiais a lã, o linho e o algodão. São a qualidades destas matérias-primas, bem como os processos de fabricação utilizados os seus principais factores de sucesso. São eles que tornam os seus produtos autênticos e diferentes dos que se acumulam no mercado.

A qualidade dos diversos produtos manufacturados na COTM é, na sua generalidade muito boa, no entanto, para o tipo de consumidores que têm vindo a manifestar o interesse por estes produtos, quer no espaço museológico onde a Cooperativa, quer em feiras, mercados e festivais, nacionais e/ou internacionais apresentam alguns problemas distintos, sobretudo ao nível da regularidade de escoamento elevado custo unitário e diversidade de produtos.

Contudo, seguindo uma linha de trabalho continuado, com cerca de 20 anos, a COT Mértola tem procurado, desde sempre, promover as artes e ofícios tradicionais, sobretudo, da zona sul do concelho de Mértola, nomeadamente: a tecelagem, a cardação e a fiação (suas principais actividades), a apicultura, a cestaria, a fabricação de cadeiras, a tapeçaria, entre outras.